quinta-feira, 13 de junho de 2013

Violência, Drogas e Livre Mercado


Introdução

“O erro não é acreditar que as drogas estão devastando nossa sociedade e a vida de muitos jovens. Nisto todos concordamos. O erro está na maneira de reverter esta tendência. O erro não está nos fins, e sim nos meios.” (Milton Friedman)

Gostaria de discutir a questão da proibição ao uso e comércio de drogas e sua ligação com a violência urbana; por que todas as formas de combate não tiveram sucesso e por que, filosoficamente, a proibição é algo errado. Existem três linhas básicas de argumentos contrários à proibição ao uso e comércio de drogas:

Eficiência: A relação custo versus benefício é muito alta. Ou seja, o custo para implantar e manter a proibição é muito mais alto que o benefício pretendido. Esta análise é típica de economistas e engenheiros e é frequentemente menosprezada por pessoas mais preocupadas com utopias do que com aspectos práticos.

Ética: O governo não tem o direito de impor restrições à maneira como adultos utilizam seu próprio corpo, salvaguardado o direito de terceiros. Por exemplo: embora o fumo prejudique a saúde, ele é permitido com restrições, tais como proibição ao fumo em ambiente fechado.

Médico: A Maconha (por exemplo) faz tanto (ou menos) mal do que o álcool.

Pretendo na primeira parte, Proibição Aumenta Violência, desmascarar o argumento falacioso frequentemente repetido pela imprensa, de tal forma que se tornou um lugar comum, que coloca as drogas como causa do aumento da violência. Discuto a seguir, em Aspectos Econômicos, a ineficiência da proibição: por que ela não funciona e como ela transforma as drogas num problema. Explico as consequências do lucro gerado devido à proibição e por que, existindo demanda, o Governo não consegue suprimir a venda.

Na parte Aspectos Filosóficos discuto a questão ética: por que estas leis estão erradas. Coloco o assunto em perspectiva, discutindo leis com caráter semelhante. Na parte de Aspectos Psicológicos discuto por que as drogas atraem as pessoas. A relação entre prazer e repressão. Finalmente discuto Aspectos Políticos, Medicinais, uma seção de Perguntas e Respostas e  concluo com a Visão da Utopia (como seria após o fim da proibição).

Devo dizer que este artigo foi inspirado pelo livro “On Liberty and Drugs” de Milton Friedman & Thomas Szasz. Retirei vários argumentos deste livro. Como este não é um trabalho acadêmico não me preocupei em fazer referências explícitas ao longo do texto. Mesmo nos argumentos econômicos, que seguem bem de perto este livro, acrescentei fatos pertinentes ao caso brasileiro (já que o livro se dirige ao público norte-americano).

Proibição Aumenta Violência

“Drogas são uma tragédia para o viciado. Mas criminalizar seu uso torna esta tragédia num desastre para a sociedade.” (Milton Friedman)

O crescimento da violência urbana em grandes centros urbanos é extremamente preocupante. Poucos discordam que fatores importantes para o crescimento da violência são a concentração de renda e a miséria. No entanto, confrontados com exemplos como:

1. Índia: A miséria é grande, grande concentração de renda, mas a violência é baixa.
2. EUA: Apesar da riqueza e da distribuição de renda muito mais equitativa, o nível de violência é alto.
3. Europa Ocidental: Fatores econômicos semelhantes aos EUA mas com níveis de violência bem mais baixos.
4. Brasil: Riqueza média, grande concentração de renda, violência alta;

observa-se, facilmente, que o problema é mais complexo e escapa de esquemas reducionistas. É lugar comum considerar as drogas como um dos fatores que causam a violência, senão o mais importante. Numa análise superficial, isto parece inegável. De fato regularmente encontramos violência, corrupção, assassinatos e roubos ao redor das drogas. O que não se observa é que as drogas se tornam um problema, justamente, porque são proibidas. A proibição força as drogas para o mundo da ilegalidade onde tudo se mistura: venda de drogas, jogo do bicho, sequestro, prostituição, cassinos, assaltos a bancos, etc.

O fato das atividades violentas (assaltos, sequestros) e não violentas (cassinos, prostituição, jogo-do-bicho, comércio de drogas) serem desenvolvidos pelo mesmo grupo de pessoas é consequência pura e simples da proibição. Para ilustrar este ponto considere os cassinos nos EUA, a prostituição em Amsterdam, a loteria esportiva no Brasil, a venda de Valium e Prozac nas farmácias. Não existe nada de violento nestas atividades. No entanto, atividades afins no Brasil como venda de drogas e jogo-do-bicho, cuja diferença fundamental é o fato de estarem proibidas, estão ligadas a diversos crimes.

O mesmo fenômeno ocorreu na época da lei seca nos EUA. Al Capone não se limitava a vender bebidas alcoólicas; ele estava ligado a assassinatos cruéis, assaltos a bancos, falsificação de dinheiro, etc. Para a imprensa da época, Al Capone era uma prova viva do por que o álcool deveria continuar sendo proibido: “vejam como ele é cruel”, etc. Para muitos a crueldade dos traficantes justifica ainda mais a proibição às drogas. Ou seja, os espantalhos de “João Gordo” 's, “Escadinha” 's, “Cy-do-Acary” 's ou  “Zé-do-Borel” 's justificam e reforçam a proibição.

Outro argumento utilizado para justificar a proibição diz respeito ao fato de pessoas roubarem para sustentar o vício em drogas ilícitas. Contra este argumento, primeiro diria que os assaltantes roubam para comprar coisas. Nesta lógica tudo que se compra com dinheiro de assalto, incluindo carros luxuosos, roupas, bebidas e joias deveriam ter sua venda proibida. Por outro lado, sem a proibição, o preço das drogas cairia muito e diminuiria a necessidade de se roubar para comprar drogas.

Bastaria fazer como muitos alcoólatras: mendigar dinheiro para sustentar o vício. Você já viu alguém roubando para beber cerveja ou cachaça? Um segundo argumento, desenvolvido no próximo tópico, mostra que na realidade a proibição agrava o problema da violência de várias maneiras. Em resumo: o que causa um aumento da violência não são as drogas em si, e sim a sua proibição.

Livre Mercado e as Drogas: Aspectos Econômicos

“O problema é a demanda por drogas, mas não somente a demanda, e sim a demanda operada por canais reprimidos e ilegais. A ilegalidade cria lucros obscenos que financiam táticas assassinas dos chefões da droga; ilegalidade gera corrupção policial; ilegalidade monopoliza a força policial, desviando recursos para combater crimes como assaltos, sequestros, etc.” (Milton Friedman)

Devido à proibição, o preço das drogas é muito mais alto do que seria num regime de livre mercado. O preço inclui os riscos de se exercer uma atividade ilegal e o custo da corrupção. Também não é possível uma economia de escala: a fabricação e comércio tem que ser feita em pequenas unidades para não ser detectada facilmente. É, mais ainda, um preço de regime de monopólio pela força, decorrendo deste fato uma taxa de lucro excessiva e guerra entre quadrilhas pelo controle dos pontos de venda de drogas. Caso o mercado de drogas fosse liberado os custos de produção diminuiriam e com a livre concorrência o preço da mesma cairia de forma vertiginosa.

Como consequências dos altos lucros da atividade temos:

A perspectiva de ganhar muito dinheiro em pouco tempo torna jovens carentes, apesar do grande risco à própria vida, em traficantes de drogas. Acostumados ao lucro fácil do tráfico, desde cedo estes jovens (alguns começam como crianças) perdem a ética do trabalho e o interesse pela escola. São condenados ao círculo da marginalidade pelo resto de suas (curtas) vidas. Terminarão em breve mortos ou presos. Este efeito não intencionado por quem proibiu as drogas, a exclusão social e criação de marginais, é um dos aspectos mais perversos da proibição.

A corrupção da polícia e outras autoridades competentes, que numa primeira fase diz respeito somente às drogas (ou à “vista grossa” ao jogo-do-bicho), se expande e engloba todas atividades criminais. Mesmo na nação mais rica do planeta, os EUA, o dinheiro das drogas comprou, recentemente, um alto assessor da casa branca ligado ao departamento de justiça! Não preciso dizer o efeito em nações pobres. Este é o primeiro passo para a polícia entrar no mundo do crime. Depois vira segurança de traficantes (ou bicheiros), se envolve em sequestros, etc. O Rio de Janeiro ilustra este ponto de forma bem clara. Outro exemplo foram os fatos apurados durante a “operação mãos limpas”, na Itália. A polícia se corrompe não porque seus membros não tenham caráter, mas devido a esta força quase irresistível no sistema.

O poder financeiro gera, em médio prazo, poder político. Este fenômeno pode ser observado na Colômbia e na Sicília e começa a ameaçar o Rio de Janeiro.

Quadrilhas muito bem armadas: AR15's, Fuzis, AK14's, granadas.

Traficantes com acesso a excelentes advogados. Aqueles nos postos mais altos da hierarquia do tráfico dificilmente vão para cadeia por causa disto.

Cooptação de pessoas ousadas, inteligentes, empreendedoras (por exemplo, na favela, aqueles mais ambiciosos) e membros da elite intelectual (advogados, juízes, políticos, médicos, químicos, etc.) para o crime. Como consequência, crimes que exigem logística e planejamento mais sofisticados (assaltos à bancos e sequestros) se tornam mais comuns.

Não existem mecanismos legais para regular a atividade: Não é possível assinar contratos de compra e venda, abrir lojas, comprar a crédito. As disputas por mercado (“ponto”), cobrança de dívidas (“banho”), problemas com a qualidade da mercadoria (“malhada”) são resolvidas à bala! Esta é a principal causa de assassinatos em qualquer grande cidade do Brasil e do mundo. O poder dos traficantes somente poderá ser combatido atacando-se as causas econômicas. Toda a repressão do mundo é pura perda de tempo, dinheiro e recursos.

“Supor que o comportamento de organismos sociais pode ser moldado a bel-prazer é um erro amplamente aceito. Esta é uma falha fundamental dos reformadores sociais. Para eles o problema está no homem e não no sistema: concluem que para resolvê-lo basta retirar a escória e colocar pessoas bem intencionadas no lugar” (Milton Friedman)

Com a proibição, as forças do livre mercado ficam impedidas de agir, a “mão invisível” fica amarrada. Conforme podia ser visto na antiga URSS, todo o poder de coerção do Governo não conseguiu sufocar o mercado. Através do mercado negro, mesmo sob o risco de punições severas, o consumidor obtinha o que queria.

Outro exemplo é a liberação do uso do dólar após anos de repressão e punições severas em Cuba. Para colocar este assunto em perspectiva gostaria de comentar outros fenômenos decorrentes do excesso de regulamentações por parte do Governo:

Corrupção. Nem mesmo com medidas draconianas tomadas na China (fuzilamento) consegue-se acabar (ou diminuir significativamente) o problema. Isto ocorre porque a causa, o controle estatal de toda atividade econômica, cria as oportunidades de corrupção (“criam-se dificuldades para vender facilidades”).

Comércio Ambulante (ou camelôs). A complexidade do sistema tributário e a rigidez das leis trabalhistas tornam a montagem e manutenção de um negócio extremamente cara e complicada, o chamado “custo Brasil”. Isto é um incentivo a proliferação de comércio ambulante.

Contrabando. Decorre, em grande parte, devido aos altos impostos de importação e a complicada burocracia para liberação de carga.

“Jeitinho” (a famosa Lei de Gérson). Muitos pensam que este fenômeno é tipicamente brasileiro. Na realidade ele existe em diversas nações do terceiro mundo de todos os continentes. Sua causa é a mesma do caso brasileiro: excesso de regulamentações, normas, órgãos de controle governamentais etc.

Por fim, argumentos semelhantes podem ser utilizados com relação a prostituição, jogo-do-bicho e cassinos. De fato, antes do jogo ser legalizado nos EUA, os mesmos fenômenos podiam ser observados em Las Vegas: formação de uma máfia que controlava o jogo, comprava políticos, assassinatos de acerto de contas, etc. No estado de Luisiânia a máfia do jogo da época elegeu até o governador de estado.

Governo Protegendo seus Cidadãos: Aspectos Filosóficos

Um dos principais argumentos pró-proibição é de que as drogas fazem mal à saúde e, portanto, devem ser proibidas. Por trás deste argumento está a premissa implícita: o Governo tem autoridade para impor hábitos saudáveis.

Outros exemplos de leis que almejam este objetivo não declarado da proibição, proteger a pessoa de si mesmo, são:

Uso obrigatório de cinto de segurança em automóveis e capacete em motocicletas.

Exigência de receita médica para compra de medicamentos. A exigência de receita médica foi feita, teoricamente, para proteger a saúde da população. Na realidade, serve muito mais para assegurar o monopólio dos médicos, os maiores interessados na defesa desta lei. Na prática ela “não pegou” no Brasil. O fim do monopólio dos médicos poderia revolucionar a medicina, especialmente para a população mais pobre, que hoje tem (em tese, na prática o farmacêutico cumpre, ilegalmente, parte desta tarefa) que escolher entre um profissional de medicina com 8 (ou mais) anos de formação ou nada. Remeto o leitor interessado em detalhes ao livro do Prof. Milton Friedman “Free to Choose”.

Temos algumas atividades potencialmente danosas à saúde, mas que não são proibidas por lei: Pular de paraquedas, correr em formula-1, esquiar, andar de motocicleta, etc. Temos atividades que sem dúvida são danosas, mas são perfeitamente legais: luta de boxe, uso de esteroides anabolizantes, excesso de gordura, fumar cigarros, alcoolismo, etc.

Dentro da lógica de que as drogas devem ser proibidas, porque causam danos à saúde, se compararmos as estatísticas de doenças causadas pela obesidade, álcool e tabaco com as causadas por drogas veremos que estamos atacando um fator de importância marginal. Não se inclui aqui as mortes resultantes da guerra entre quadrilhas, que são contabilizadas na proibição às drogas e não nos danos causados à saúde pelas drogas. A mistura destes dois fatores num só, a “morte causada pelas drogas”, é utilizada pelos defensores da proibição para confundir e causar alarme.

Por coerência, aceitando-se o princípio que cabe ao Governo zelar pela saúde de seus cidadãos, porque não se criar leis proibindo o excesso de sal e açúcar no sangue, obrigando exercícios físicos diários (para combater o sedentarismo), proibindo o álcool, proibindo o tabaco? Note-se que no caso do álcool e tabaco já existem leis, mas elas são para proteger terceiros (dirigir embriagado e restrições ao fumo em locais públicos) e, portanto, não se encontram neste contexto.

Para os que argumentam que a diferença é de grau no dano à saúde  - “a cocaína causa danos à saúde muito maiores que o álcool: logo o tratamento deve ser diferente” - levemos ao grau máximo de dano à saúde, à morte: Você acha que a tentativa de suicídio deve ser punida? Estas são as questões básicas que convido o leitor a refletir: O governo pode e/ou deve agir como um “pai” da sociedade e decidir o que é bom para cada indivíduo, determinar como cada cidadão vai viver sua vida ? De onde emana este poder? Como conciliar isto com a liberdade do indivíduo? Existe uma minoria “iluminada” que vai guiar o destino de todos? Como eles são escolhidos? A quem eles respondem?

Para deixar clara minha posição, o uso de drogas deve ser proibido quando envolver riscos imediatos para terceiros, no mesmo espírito das leis que regulam o uso de álcool: proibido dirigir alcoolizado, etc. Neste caso o governo está intervindo para proteger terceiros. O que me oponho é a proteção da pessoa de si mesma. Em resumo: cada cidadão deve ter a liberdade de fazer o que deseja a si mesmo, contanto que os direitos de terceiros não sejam prejudicados.

Por que Atividades Arriscadas? Aspectos Psicológicos

O que leva uma pessoa a utilizar drogas que sem dúvida são danosas à saúde (heroína, cocaína)? Creio que a mesma pergunta pode ser feita para um alpinista, pulador de paraquedas, etc. Podemos verificar uma relação masoquista de busca do prazer (fortes emoções) através do medo (perigo), principalmente entre os jovens. O oposto disto seria uma segurança entediante. Outro aspecto é a relação prazer versus repressão. Se voltarmos ao passado distante, temos a proibição do álcool pelo Alcorão, a maçã do Fruto Proibido (sexo) e o pecado da gula na Bíblia. A repressão ao sexo na sociedade Vitoriana. Na década de 1930, nos EUA, o álcool. Cabe a pergunta: por que as sociedades procuram reprimir o prazer?

As técnicas de combate são semelhantes. A associação que se fazia de sexo como coisa suja, feia; a masturbação como causa de demência mental, espinhas, deformações, impotência. Todos estes argumentos são requentados para se combater o uso de drogas. São o que os americanos chamam de “scare tatics”, que tentam fazer prevalecer o lado emocional contra o lado racional.

Diz-se que o uso de drogas leva à demência mental, torna a pessoa imprestável (um zumbi), causa marcas na pele, no rosto. Mostram pessoas em hospícios, fruto do uso de drogas a vida inteira. Mostram os que se prostituem para sustentar o vício. O efeito da repressão é exatamente o oposto, porque o Fruto Proibido é ainda mais atrativo, especialmente para os jovens, com mais energia para a transgressão. Por outro lado, os argumentos são tão exagerados que se desmoralizam. Qualquer pessoa que tenha um mínimo de contato com o assunto sabe que, embora prejudicial à saúde, seus efeitos não são dramáticos e é perfeitamente possível ser usuário de drogas e membro produtivo da sociedade ao mesmo tempo.

Qual o meio efetivo de controle de drogas? Creio que a resposta é, além da vontade de preservar a saúde, a pressão social. Por que as pessoas não passam o dia inteiro dormindo, na praia ou numa atividade de lazer? Por que tem que trabalhar (ou estudar). Por que as pessoas não passam o dia embriagado? Pelo mesmo motivo. Quais são as forças que não permitem os excessos de preguiça, comida, álcool, gastos, etc. A própria consciência, a religião, a família, o patrão, os amigos, o banco, agora inclusive a companhia de seguro etc. Enfim, a pressão social (e financeira). Devido ao fato de alguns abusarem de algumas substâncias (por exemplo: alcoólatras, obesos, fumantes, viciados em drogas) devemos proibir o uso para todos?

Outros Efeitos Nocivos

Traficantes estimulam o consumo dando primeira dose grátis. Isto vale a pena, porque sendo o dono do “ponto” ( o mercado não é livre ) tem a garantia de que o “freguês” comprará outras doses “na mão” dele.

Viciados são obrigados a se associar com criminosos para obter a droga, aumentando a chance deles entrarem no mundo do crime para financiar o vício.

Assassinatos pela disputa dos pontos de venda.

Falta de tratamento adequado aos viciados: É difícil o acesso a um programa de reabilitação e conseguir apoio de familiares e amigos devido à ilegalidade.
  
Overdoses. A ilegalidade impossibilita qualquer controle da qualidade da droga. Mistura-se de tudo na cocaína e na maconha. A cada compra a concentração é diferente.

Tratamento inadequado das vítimas de overdose. O medo de ser descoberto e denunciado à polícia faz com que se evite ir para um hospital em caso de emergência.

Viciados são levados ao uso de drogas mais potentes. Como a maconha é pesada e ocupa muito espaço é mais fácil apreendê-la. Seu preço aumenta e tornam mais competitivas drogas mais potentes e menos volumosas, como a heroína e a cocaína. Pelo mesmo motivo, estimula-se a criação de drogas mais potentes como o crack e drogas sintéticas, com grande preço por volume, de tráfico mais lucrativo. Os altos lucros estimulam a criatividade dos químicos!

Aspectos Políticos

“Reformadores acreditam que se eles escreverem uma lei, ela vai ser aplicada da maneira que foi escrita. Isto é uma ilusão. O que acontece com uma lei tem pouca relação, em geral, com as intenções de quem escreveu. Quem escreve a lei que proíbe as drogas não pretendia matar milhares de pessoas todos os anos vítimas das guerras entre quadrilhas.” (Milton Friedman)

A América Latina está sendo levada a repetir a paranoia americana com relação às drogas. Mesmo com o fim da lei seca ainda persistem restrições absurdas à bebida alcoólica, como venda proibida aos domingos e idade mínima de 21 anos em quase todos estados. A pena imposta a quem está traficando drogas é exagerada, mais grave, algumas vezes, do que assassinato.

Os americanos gastam uma fortuna com o sistema penitenciário. Atualmente é o país com a maior percentagem de população encarcerada do mundo (quase 1 %), grande parte devido ao uso e tráfico de drogas. A única receita dos defensores da proibição para combater o aumento dos crimes, percebendo a ligação estreita de traficantes de drogas com os mesmos (exemplo recente são os sequestros no Rio de Janeiro), é o aumento da repressão. Isto foi tentado na década de 80 nos EUA.

O resultado foi um aumento da violência e da população carcerária. No caso brasileiro nem precisa ser implementada, porque já acontece extraoficialmente. Um traficante no Rio de Janeiro, por exemplo, dificilmente passa dos 25 anos de vida devido à guerra entre as quadrilhas. Alguém consegue imaginar maior repressão do que esta? Mas isto, no entanto, não é suficiente. Deixo a seguinte pergunta para os defensores da proibição: Porque ainda assim as pessoas tomam este caminho?

O pêndulo da proibição está voltando. Depois do liberalismo dos 70's e da repressão dos 80's uma nova maré liberalizante se esboça. Podemos encontrar opiniões de peso por trás desta proposta. Uma é o supracitado, prêmio Nobel em Economia, Prof. Milton Friedman. O Ex-Ministro da Justiça Nelson Jobim (agora ministro do STF) andou se pronunciando a favor da descriminalização. O jornal Folha de São Paulo em editorial de 1994 mostrou que apoia estas ideias. A corte suprema da Colômbia, recentemente, liberou o uso de drogas. Temos as experiências de sucesso em diversos países europeus: Alemanha, Suíça, Espanha, França, Inglaterra, Holanda, etc. São experiências que mostram que esta ideia é uma alternativa concreta.

Outro exemplo histórico são os EUA do início do século, quando a Sears Roebuck vendia heroína através de seu famoso catálogo. Caberia determinar estratégias do que seria possível num primeiro momento. Como princípio geral o tratamento deve ser semelhante ao álcool e tabaco: proibição de venda para menores, restrições à propaganda, direção de veículos sob influência, etc. O tráfico internacional, é claro, teria que continuar proibido, a não ser através de acordos regionais (MERCOSUL, por exemplo).

Um possível cronograma:

1. Discutir o assunto e procurar esclarecer a opinião pública.
2. Descriminalizar o uso de drogas.
3. Autorizar o cultivo da maconha para uso próprio. Isto teria um impacto mortal
no tráfico.
4. Autorizar a venda da maconha, com restrições semelhantes ao álcool e tabaco.

Quanto a outras drogas, não sei qual seria o melhor modelo: liberação total, venda sob controle médico. Uma dificuldade comum é a confusão entre não ser proibido e ser estimulado. A legalização não significa estimular ou mesmo aprovar o uso de drogas. Temos diversas atividades nocivas à saúde que não são proibidas, mas são desestimuladas: álcool, fumo, glutonice (gulodice, gula), inatividade, etc.

Drogas Realmente Fazem Mal a Saúde? Aspectos Medicinais

Não havia levantado, propositalmente, argumentos tradicionais que questionam o “mal” que as drogas fazem ao organismo. Com relação à maconha, em especial, este argumento é bastante forte. Hoje em dia existem usos terapêuticos comprovados da mesma no tratamento de aidéticos e para controlar efeitos colaterais da quimioterapia.

Inclusive em 1996 foi aprovada em plebiscito em dois estados dos EUA (Califórnia e Arizona) uma lei legalizando o uso medicinal da Maconha. Creio, no entanto, que este não é um bom caminho, porque esta não é a questão fundamental. Uma abordagem deste tipo, creio ser muito conservadora. Além do mais, persistiria o problema do tráfico das outras drogas que sem dúvida fazem mal a saúde (cocaína, heroína, etc.).

Perguntas e Respostas (Questionamentos diretos e indiretos)

1. P: Os drogados podem provocar problemas no trânsito, no trabalho. “Podemos virar uma sociedade de zumbis!”

R: Basta dar o mesmo tratamento dado ao álcool. É proibido dirigir ou trabalhar embriagado. Poderíamos, do mesmo modo, virar uma sociedade de alcoólatras. Porque isto não ocorre? Deixo o leitor responder. Pelo mesmo motivo não viraríamos uma sociedade de zumbis. O uso do álcool, em si, não é penalizado e sim os seus possíveis efeitos danosos a terceiros.

2. P: Com a liberação das drogas aumentará o número de drogados devido ao preço mais baixo e o fim da repressão. Não ficaremos numa situação pior do que estamos?

R: De fato um aumento no número de usuários é um efeito possível. A questão é: ninguém em sã consciência causa dano a si próprio. É perfeitamente possível um usuário de drogas ser um membro produtivo da sociedade. Estes limites cada pessoa estabelecerá para si mesmo. É o mesmo problema do álcool: uso social não tem problema, mas aparecer alcoolizado no trabalho todo dia . . .

3. P: Os viciados assaltam e roubam para sustentar seu vício. A legalização aumentará o número de usuários e consequentemente de roubos e assaltos.

R: É comum em reportagens se dizer que os crimes são causados pelas drogas ilegais. Na realidade os crimes são causados por pessoas. Negar isto é retirar a responsabilidade das pessoas pelos seus atos. Por outro lado já expliquei que o efeito da legalização seria exatamente o oposto.

4. P: Quer dizer que teríamos propaganda de maconha e cocaína na TV, rádio etc.? E as crianças?

R: O tratamento a ser dado deve ser semelhante ao dado ao tabaco e ao álcool: venda proibida para menores de idade e restrições (proibição) à propaganda. Estas medidas podem ser implementadas, enquanto que a proibição total não pode.

5. P: E a substituição da lavoura de alimentos por plantação de drogas (por ser uma atividade mais lucrativa)?

R: Com o fim da proibição e consequente queda de preço teríamos um incentivo econômico para a diminuição do cultivo. Mesmo que continue lucrativo, isto também não é problema: o dinheiro extra gerado por esta colheita será utilizado para comprar alimentos, que podem ser importados. Caso os alimentos se tornem muito caros, isto se constitui num incentivo a produção do mesmo. Ou seja, os mecanismos de livre mercado de alocação ótima dos recursos podem resolver esta questão sem necessidade de intervenção governamental.
  
6. P: As pessoas morrem devido ao uso de drogas. Isto não é suficiente para proibir seu uso?

R: Já respondi este ponto fazendo analogia com álcool, tabaco, obesidade, suicídio.

7. P: Quem utiliza drogas causa danos somente ao próprio corpo. No entanto se necessitar de ajuda médica para tratar de problemas decorrentes deste uso recorrerá a um hospital público (possivelmente) e todos nós, contribuintes, acabaremos pagando por este abuso. Logo, o interesse de terceiros (toda a sociedade) está sendo prejudicado e, portanto, de acordo com sua lógica, devemos manter a proibição.

R: Esta pergunta é a mais difícil de ser respondida e possivelmente o melhor argumento pró-proibição. Temos três aspectos a serem enfocados:

(a) Como o problema levantado é de natureza econômica devemos fazer uma análise de custo versus benefício das duas hipóteses. Elas não são a escolha entre um mundo com drogas e outro sem drogas. A escolha é entre proibir, e gerar todos os custos e problemas aqui descritos: mercado negro, manutenção das prisões, corrupção da polícia, sequestros, etc. Ou liberar, não ter nenhum destes problemas, mas arcar com os custos hospitalares dos usuários de drogas. O que o leitor acha que deve ser mais barato para sociedade?

(b) Este problema só ocorre porque o sistema de saúde é público. Se cada pessoa pagasse pela sua própria despesa médica o que ela faz com seu corpo não diria respeito ao governo. Aqui fica claro uma razão profunda da impossibilidade de liberdade sob o socialismo. Neste sistema tudo que diz respeito ao indivíduo é assunto de Estado: sua educação, sua saúde, seus hábitos, o número de filhos. Tudo em sua vida ele deve ao Estado.

(c) Porque reclamar somente do custo dos drogados? Nesta lógica o governo deveria antes de tratar, por exemplo, de um paciente HIV-positivo, investigar sua vida para descobrir se ele contraiu o vírus por irresponsabilidade (tinha diversos parceiros, sexo sem preservativos) ou foi por infortúnio (transfusão). Vamos reclamar também dos alcoólatras, obesos, pessoas que brigam em bares, fumantes, etc. Levando esta lógica ao extremo, para cada paciente que chegue ao hospital devemos investigar o porquê de sua enfermidade: se resultante de negligência, o atendimento deve ser negado ou cobrado do mesmo. Este raciocínio mostra o absurdo desta lógica.

8. P: Está comprovado que a maconha é a porta de entrada para drogas mais pesadas. Se a liberarmos aumentará o consumo de cocaína, heroína, etc.

R: Vamos aceitar a premissa duvidosa “maconha é porta de entrada”. A cachaça consumida por um pai-de-família é (frequentemente) a “porta-de-entrada” para agressões a esposa. Devemos proibir a cachaça? Ou proibir agressões a esposa?
  
9. P: Quer dizer que como não se pode ganhar a guerra contra as drogas deve-se legalizá-la? Então como não conseguimos acabar com os sequestros devemos legalizá-los?

R: É claro que não! Existe uma diferença fundamental. O uso de drogas não é (ou não deveria ser) crime. As pessoas tem o direito de se intoxicar, alterar seu estado mental. O crime são os danos a terceiros causados pela alteração de estado mental. Concordamos que os efeitos sociais terríveis relacionados às drogas (assaltos, assassinatos, etc.) tem que ser combatidos. A solução proposta de proibir o consumo é simplista e vai ao alvo errado. É como a história do marido traído que retira o sofá. Se toda lei passada fosse cumprida como foi escrita, o mundo não teria problemas. A proibição funcionaria neste mundo ideal: sem consumo não haveria venda ou uso. Infelizmente a realidade é bem diferente . . .

Visão da Utopia

O que ocorreria depois do fim da proibição às drogas:

Fim das “bocas de fumo”. Souza Cruz vendendo maços de Canabis Sativa com qualidades distintas (mais forte, mais fraco, etc.), indústria farmacêutica vendendo medicamentos à base de Canabis Sativa para tratamentos diversos. Cocaína à venda em farmácias ou em hospitais, sob controle médico.

Melhora no balanço fiscal do Governo com:

(a) Aumento de receita devido aos impostos cobrados em cima da venda e produção de drogas.
(b) Redução de despesas com o fim dos gastos na “guerra às drogas”: custos judiciais, polícia, custo de tratamento nos hospitais públicos das vítimas de tiroteios entre traficantes e policiais, pagamento de informantes (X9's, “cachorrinhos- de-polícia”), manutenção das prisões etc.

Liberação da polícia para combater atividades criminosas: roubos, assaltos, assassinatos, sequestros, etc. Moralização da mesma, longe do poder de corrupção provocado pela alta lucratividade do tráfico.

Fim do poder dos traficantes dentro das favelas. Sem o dinheiro abundante do tráfico fica difícil comprar a simpatia da população e/ou subjugá-la com armamentos poderosos. Melhores condições para o poder público atuar nos morros e favelas.

Fim da “carreira” de traficante: “olheiro”, “soldado”, “avião”, etc. Jovens oriundos de comunidades carentes não seriam tentados (ou muitas vezes, quase “obrigados”) a entrar no mundo da ilegalidade.

Melhoria do judiciário com a diminuição do número de processos e o fim do poder de corrupção do tráfico.

Diminuição no número de mortes por overdose de drogas, devido ao controle da qualidade da mesma e o fim do medo de ir para um hospital sofrendo de sintomas de overdose.

Fim das mortes por disputas de pontos e guerra entre quadrilhas, principal causa do número de assassinatos por dia nos grandes centros urbanos de todo o mundo.

Redução na frequência de crimes sofisticados (assaltos a bancos e sequestros).


                                                                                          Rio de Janeiro, Agosto de 1994

OBS: o texto original, escrito pelo professor Marco Aurélio Cabral (IM-UFRJ), pode ser conferido e baixado no site http://www.labma.ufrj.br/~mcabral/livros/ 

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