quinta-feira, 21 de novembro de 2013

POR QUE É QUE A GENTE É ASSIM?



AVISO IMPORTANTE AO LEITOR: este artigo não representa nenhuma VERDADE ABSOLUTA, como alguns leitores fazem parecer. Trata-se apenas de uma leitura que eu fiz da realidade, em fevereiro de 2002. Já se passaram mais de 10 anos e algumas dessas coisas até já mudaram (tenho notícias de que, em algumas escolas, este artigo foi o motor de algumas mudanças. Isto me deixa muito orgulhoso, sem dúvida).







É na Escola de Engenharia que começa a ser destruída a nossa auto-estima. É na Escola de Engenharia que começa a ser forjado o nosso comportamento autodestrutivo, nosso desprezo pelos valores da própria profissão, nosso desgosto com a nossa própria atividade profissional. É na Escola de Engenharia que nasce a nossa falta de coragem empresarial e essa submissão inaceitável aos caprichos dos clientes.

Engenheiros, Médicos, Arquitetos, Advogados, Agrônomos, Dentistas...
Uma coisa leva à outra: toda vez que, numa conversa qualquer, o assunto “comportamento no mercado” vem à tona acabamos caindo nas inevitáveis comparações de engenheiros, arquitetos e agrônomos com médicos, dentistas e advogados...

Quando me perguntam o que eu acho disso (dessa comparação de profissionais tão diferentes) respondo sempre a mesma coisa: acho que essa comparação é JUSTÍSSIMA.
Se eu, engenheiro, por qualquer motivo, tiver de ser comparado com outros profissionais, acho muito justo que seja com médicos, com dentistas ou com advogados. Afinal temos muito mais coisas em comum do que diferenças. Somos todos prestadores de serviços. Nosso produto (nosso serviço) é altamente especializado e todas essas atividades demandam profissionais com capacidade intelectual diferenciada. Ninguém chega a ser médico, advogado, dentista, agrônomo, arquiteto ou engenheiro apenas por ter um belo par de olhos, uma voz doce, algum dinheiro no banco ou um padrinho influente... A conquista de qualquer um desses títulos demanda qualidades e habilidades especiais, muito estudo e empenho (às vezes até muitos sacrifícios).

Temos, é verdade, muitas semelhanças, quando a comparação é feita no nível da qualificação. Porém, no exercício das profissões e no comportamento empresarial de cada grupo as diferenças aparecem e são enormes. Neste texto concentramos nossas reflexões sobre a formação dos profissionais de Engenharia. No entanto, nossa experiência e a convivência com milhares de arquitetos e agrônomos dos mais distantes lugares do Brasil nos permitem acreditar que os conceitos podem se estender sem problemas também para esses profissionais. Voltemos no tempo.

Voltemos ao tempo em que essa pessoa (que hoje é um engenheiro) tinha seus quinze, dezesseis anos, um ou dois anos antes do vestibular. Esse moço ou essa moça é, muito provavelmente, um dos melhores alunos da sua sala (talvez da escola). É um expoente estudantil, requisitado pelos colegas, elogiado pelos professores, respeitado pelos pais (de quem é motivo de muito orgulho) valorizado pelos parentes, pelos vizinhos, admirado pelas garotas (ou garotos).

Comparemos nosso amiguinho com o estudante de quinze ou dezesseis anos que virá a ser médico, dentista ou advogado.

Veremos quase nenhuma diferença.

É isso mesmo. Na origem, são todos iguais. Têm o mesmo perfil, a mesma história, o mesmo rendimento. Todos são brilhantes e bem sucedidos.

Vem o vestibular. Ingressa, cada qual, na faculdade que escolheu... E é aí que as diferenças começam a aparecer. Os estudantes de medicina e de odontologia são enquadrados em um ambiente novo, com pessoas que se vestem de uma maneira diferente, se comportam de uma maneira diferente e que estabelecem uma identidade visual (e, por decorrência, uma identidade psicológica) com a atividade profissional que irão exercer alguns anos depois.

Os estudantes de direito, já nos primeiros meses de escola convivem com professores que vêm para as aulas de terno, gravata, sapato social, barba feita ou bem cuidada. E o mais interessante: aqueles senhores e senhoras respeitáveis, bem vestidos e de fina educação (os professores), tratam os seus alunos por “senhor” ou “senhora”, com toda a fineza e educação que a prática profissional recomenda. E estimulam seus alunos a acreditar e se convencerem de que são superiores. Que estão se preparando para “falar com o Estado” (privilégio que não é concedido a nenhum outro profissional...). Enfim, aprendem que precisam respeitar os outros, mas aprendem, antes de tudo, que precisam exigir respeito para si.

Nos últimos anos de faculdade, estudantes de odontologia e medicina já se vestem como se médicos ou dentistas fossem. Frequentam clínicas e atuam como profissionais na área da saúde. Assumem, enfim, um ou dois anos antes de terminada a faculdade, todo um comportamento típico de médico. De dentista.

Os estudantes de Direito, por sua vez, a partir da Segunda metade do curso, já se vestem como advogados (roupa social, sapato, eventualmente gravata e um terno ou blazer...). Mantém com os seus professores e com os seus colegas um comportamento e um vocabulário apropriados para as lides jurídicas. E, o mais importante: são tratados, pelos seus professores, como Doutor. (Dr. Fulano, termine seu relatório até a próxima aula. Dr. Sicrano, esteja preparado para a prova final, na sexta-feira.). Apesar de ainda não terem concluído o curso.

Os estudantes de engenharia, ao contrário, a partir do início do curso, a única diferença que eles conseguem perceber na faculdade, em relação ao ensino médio é o grau de dificuldade (que simplesmente quintuplica!).

Não existe nenhum estímulo a um comportamento novo, nenhuma referência, um exemplo positivo de comportamento. Nenhuma motivação para um desenvolvimento psicológico alternativo. Nenhum elemento que interfira na formação do profissional do ponto de vista da sua imagem física composta de aspectos visuais e comportamentais. A vida social, no ambiente da faculdade, é muito restrita, quando não inexistente.

Além do mais, a faculdade entra na vida desses jovens como um elemento de ruptura. Os alunos são colocados em uma condição a que eles não estavam acostumados. Estavam acostumados a tirar notas máximas com a maior facilidade e, de repente, passam a sofrer e ter grandes dificuldades para obter notas mínimas ou médias. Deixam de ser respeitados pelos seus professores que se tornam distantes e autoritários e perdem a admiração dos colegas que estão todos desesperados tentando se salvar de uma coisa que ainda não estão entendendo direito.

Não que as faculdades de medicina, direito ou odontologia sejam fáceis. Ocorre que lá os estudantes têm compensações psicológicas que os estudantes de engenharia não têm. Essas faculdades, por diversos mecanismos, inexistentes nas escolas de engenharia, dão continuidade ao amadurecimento psicológico e social do futuro profissional. E, com isto, mantêm em alta a motivação e auto-estima dos seus estudantes.

Na engenharia não existe nenhum processo de acompanhamento psicológico para aquele estudante desesperado que teve a sua carreira de sucesso estudantil subitamente interrompida (mesmo os alunos que continuam conquistando notas altas, acabam sentindo a falta do aplauso dos colegas, do respeito dos professores e da admiração coletiva). E não existe ninguém para explicar o que está acontecendo. Ninguém para dizer a este estudante que ele não é tão inepto ou incapaz como, algumas vezes os professores parecem querer provar.

É quase geral, por parte dos professores, nas escolas de engenharia, a manifestação desnecessária de superioridade intelectual, o exercício gratuito de poder e o terrorismo psicológico.

E o estudante, que entrou na faculdade no auge positivo da auto-estima, vai recebendo, ao longo de cinco anos, das mais variadas formas, uma única mensagem: “Você não é tão bom quanto você pensava que fosse !”.

Ao contrário dos estudantes de direito, medicina ou odontologia, que têm como professores, profissionais que atuam no dia-a-dia de suas atividades, os estudantes de engenharia passam cinco anos submetidos aos rigores (e, em alguns casos, caprichos) de engenheiros que não atuam, profissionalmente, como engenheiros e sim como professores, e que, portanto, não têm a vivência da atividade profissional e não têm a ciência ou a consciência das relações comerciais que vão definir o sucesso ou o fracasso dos profissionais que eles estão formando.

Como resultado disso, ao final de cinco anos, o estudante de engenharia se transforma em um engenheiro. E este engenheiro é completamente desprovido de auto-estima, de respeito próprio, de prazer profissional ou de consciência de mercado. Na metade do último semestre da faculdade, dois meses antes de receber o diploma e ser entregue aos leões do mercado, o estudante de engenharia ainda é tratado como mero es-tu-dan-te.

Em momento algum, durante a faculdade, o estudante de engenharia é tratado como engenheiro, em momento algum, durante esses cinco anos, a escola propicia a percepção da mudança de condição de estudante para a condição de profissional.

Estudantes de direito, medicina e odontologia, ao contrário, muito antes do fim da faculdade já têm uma noção razoavelmente clara das dificuldades do exercício profissional que eles irão enfrentar. Com isso vão desenvolvendo mecanismos psicológicos de defesa e saem da faculdade com maior grau de segurança. Entram no mercado profissional de cabeça erguida, com uma consciência de valor. E com todo o processo de construção da imagem profissional em andamento. Estudantes de engenharia não são estimulados a se vestir bem, nem a ter preocupações com técnicas de comunicação ou relacionamento social ou de exercício intelectual não linear. Com isso acabam não desenvolvendo habilidades gerenciais ou de relacionamento com o mercado. Esta é uma das razões pelas quais as organizações de engenharia são, quase sempre, extremamente burocráticas e conservadoras.

Engenheiros (ao contrário de advogados, médicos e dentistas) não comandam seu ambiente de trabalho. Por mais que detenham o conhecimento e a técnica, os engenheiros são, via de regra, pouco influentes em relação ao produto final, seja uma construção, uma instalação, um empreendimento complexo ou um processo produtivo.

O mais lamentável é que os engenheiros, via de regra, só vão perceber os resultados da negligência com a imagem física, a comunicação não-verbal e o comportamento no mercado, depois de já terem acumulado muitas perdas desnecessárias (algumas das quais, infelizmente, irreversíveis).

E qual é a utilidade desse discurso? Qual a importância de se colocar este tema no papel? Porque tornar pública esta opinião, que, com certeza aborrecerá alguns segmentos? Ninguém é ingênuo a ponto de acreditar que a simples leitura deste ensaio leve um diretor de escola de engenharia, um professor, um estudante ou um profissional de engenharia a alterar o seu comportamento. O que se espera é que essas pessoas, a quem o texto é dedicado, tenham um momento de reflexão. E que a esse momento de reflexão se siga uma atitude. E que essa atitude tenha como objetivo dar um futuro melhor para a engenharia no Brasil.

A engenharia depende dos engenheiros. E os engenheiros começam a ser formados aos quinze ou dezesseis anos, ainda no ensino médio. Eu ainda acho, como sempre achei, que o conhecimento científico que é transmitido aos estudantes durante a faculdade de engenharia é fundamental. E que o valor da engenharia está sustentado na capacidade intelectual e técnica dos seus profissionais.
No entanto, vejo como importantíssima uma nova visão, nesse processo de formação do engenheiro, que leve em consideração todo o relacionamento social dos estudantes entre si e com os seus professores. É importante que, aos estudantes, seja transmitida uma visão mais clara das relações comerciais que eles enfrentarão na vida profissional, seja na condição de profissionais autônomos, empresários ou empregados em alguma empresa.

Em qualquer um desses casos as relações sociais são elementos definitivos para o sucesso. É um “detalhe” que faz toda a diferença. O estudante chega ao curso de Engenharia cheio de sonhos com a auto-estima elevada, transpirando confiança e auto-respeito. É muito triste que, dez ou quinze anos depois esse potencial tenha se transformado em um sujeito cabisbaixo, sem consciência de valor, destituído de auto-estima e respeito próprio. Abrindo mão da sua natural vocação de agente do desenvolvimento para ser mero instrumento de trabalho para terceiros. Na Escola de Engenharia o engenheiro precisa ser “construído” para ser um vencedor. Precisa ser estimulado a acreditar no seu potencial. Confiar na sua inteligência. E, acima de tudo, precisa aprender a importância de manter a cabeça erguida.







Este artigo foi publicado em fevereiro de 2002. É um dos artigos mais lidos e replicados, tanto na internet como em jornais e revistas (papel). É também, de longe, o artigo mais comentado, tendo recebido muitos elogios e também muitas críticas.


ÊNIO PADILHA
www.eniopadilha.com.br | ep@eniopadilha.com.br

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Ato Médico: A Verdade dos Fatos


O Projeto de Lei do Senado (PLS) 7703/06, mais conhecido como Lei do Ato Médico, foi aprovado, com vetos, no dia 18/06/2013 pela presidente Dilma Rousseff. O Ato prevê uma lista de atividades que somente o médico pode realizar. Só haverá algum tipo de prejuízo no caso de outro profissional da saúde infringir e realizar alguma atividade que só o médico pode realizar, o profissional de saúde corre o risco de perder o diploma, caso ele realize alguma atividade de competência só do médico e houver óbito.

O Ato Médico nada mais é do que a regulamentação da Medicina, o que é muito justo, além de necessário, já que todos os outros cursos da área de saúde são regulamentados por lei, com exceção da Medicina. Por que, então, ser contra, regulamentar por lei, uma das profissões mais antigas do mundo? Hoje, se faz imprescindível regulamentá-la, pois se assim não for, qualquer profissional "não capacitado" como médico, irá diagnosticar doenças, tratar, acompanhar a evolução...

Infelizmente, tenho visto que alguns não sabem o que é o Ato Medico. A grande maioria dos profissionais (e até mesmo das pessoas) que se diz contra o Ato Médico, não sabe nem do que se trata, não teve o trabalho de pesquisar, se informar e nem o terá, ou então "fingem" que sabem, mas insistem em ser contra apenas por motivos pessoais, corporativistas ou por má fé mesmo, propagam um monte de falácias, agridem verbalmente, provocam, e, mesmo após possíveis esclarecimentos, ainda assim, tem a desfaçatez (descaramento) de chamar os colegas de arrogantes.

Eu gostaria muito de entender (e ver na lei) o porquê de dizerem que a regulamentação da medicina é "prepotência" e que, com isso, os médicos seriam "chefes". Cada um na sua área e com responsabilidade e conhecimento suficiente para responder sobre suas atitudes profissionais.  Esta história de "vitimização" das outras classes é um ”pé no saco”, já está mais do que na hora de acabar... Nunca vi nenhum médico brigando pra fazer curativo, aplicar uma injeção, fazer escala da enfermagem, banhar paciente, fazer sessão de fisioterapia, etc e tal... Mas gente que não é médico querendo entubar, fazer outros procedimentos invasivos, diagnosticar e prescrever é o que não falta...

Pelo que entendi do Ato Médico, somente um médico pode dar um diagnóstico e prescrever uma medicação deste tipo. Basicamente, somente o médico poderia dar um diagnóstico de uma doença. Isso evitaria que farmacêuticos vendessem o que lhes aprouvesse, para poder lucrar mais. Que fisioterapeutas assinassem laudos de exames médicos. Que psicólogos receitassem remédios. Mas não evitaria que esses profissionais continuassem a exercer suas funções, porque essas funções já são regulamentadas por leis específicas para cada profissão.

A função das demais profissões da área da saúde não se confunde com o diagnostico/medicação. Por mais que me esforce, não consigo crer que cabe a uma enfermeira (e isso quando não são técnicas de enfermagem), a um fisioterapeuta, psicólogo ou assistente social intervir no tratamento de forma independente, sob a alegação que sua formação os capacita a isso. Trata-se tão somente de esforço para reservar o espaço profissional na equipe interdisciplinar sem a supervisão médica. Conhecendo a realidade dos nossos hospitais, emergências e ambulatórios públicos, acredito que o atrito das lideranças só irá piorar o já duvidoso atendimento.

Os demais profissionais da área da saúde devem conhecer seus limites, a Enfermagem, por exemplo, assim como qualquer outra profissão possui limites e eles precisam ser aceitos. O ato deve ser SIM debatido com todas as profissões, mas se opor a ele caracteriza uma insensatez. Aceitar suas limitações profissionais e realizar suas funções com excelência deveria ser a preocupação de muitos e não ser contra um projeto que é completamente coerente com a realidade brasileira. É óbvio que muitas pessoas estão em suas áreas porque gostam e se sentem felizes, fazendo seu trabalho bem feito e respeitando as outras profissões. Acho completamente correto haver críticas aos profissionais errados, de qualquer profissão, mas o problema é com o profissional e não com a profissão.

Assim como um médico não é capacitado para construir edifícios, por exemplo, nenhum outro profissional "não médico", é capaz de diagnosticar doenças e tratar pacientes, pois não foram capacitados, instruídos para esse fim. Isso é elementar e muito lógico!

Uma análise autocrítica rápida: a medicina, por acaso, intervém nas atividades "restritas" a outras profissões? NÃO... Portanto, a questão em si não trata de querer ser melhor que ninguém, apenas fazer valer o direito "restrito" à categoria, pois são eles os capacitados para diagnosticar doenças e tratar pacientes.

É necessário analisar melhor o Ato Médico, ao invés de se posicionar contra por achar que são inferiores, superiores, ou  “sei lá o que”... Vamos ter coerência, bom senso, respeito. Isso é o mínimo. Cada um dentro da sua competência. 

Nenhuma parte do Ato médico agride os afazeres das outras profissões. Não existem subalternos, apenas cada pessoa tem que fazer seu trabalho dentro de sua área. Quem sabe o básico de interpretação de texto vê que no PL a restrição é quanto à conduta a ser tomada, então, que deve ser exclusiva do médico. Logo, não diz nada a respeito de médico querer fazer o tratamento fisioterápico, por exemplo.

Por fim, este assunto já se tornou chato demais... Enfermeiros serão Enfermeiros, Psicólogos serão Psicólogos, Outros profissionais da saúde serão o que a formação de cada curso os capacitarem...

Deixem os médicos serem médicos... Simples assim ;)

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Voto, não anule o seu


Democracia e eleição é coisa séria. O voto depositado na urna é que vai definir quem serão os nossos dirigentes para os próximos anos. Da maioria dos VOTOS VÁLIDOS é que sairão os eleitos pelo povo. É festa da democracia, onde o voto da maioria define o rumo de todos. Neste caso, o voto nulo ou em branco não representa uma escolha, uma opção, e sim OMISSÃO. No caso de vitória a defesa de seus candidatos e seus programas de governo é normal. No caso de derrota, a oposição também é normal. Ambas fazem parte da democracia. Mas o voto branco ou nulo é somente isso, uma nulidade que não traz benefícios. A omissão neste caso tem repercussão pelos próximos quatro anos subsequentes. O artigo de Emanuella Xavier que segue logo abaixo traz o questionamento: que tipo de país você deseja ter nos próximos anos?

Surpreendo-me nas conversas informais com a quantidade de pessoas que afirmam que anularão ou votarão em branco nas próximas eleições. Nunca consigo permanecer calada, digo sempre: NÃO FAÇA ISSO, imagine quantas pessoas já lutaram e morreram para que nós hoje pudéssemos exercer o nosso direito como cidadãos de votar. E se for mulher, nem se fala. A mulher brasileira conquistou o direito a votar em 1932. Anular ou votar em branco é um desrespeito a todas essas pessoas que um dia se levantaram contra privilégios que existiam na sociedade.

Completo a argumentação dizendo ao interlocutor que alguém vencerá, então, não podemos nos omitir. Temos que dedicar algum tempo analisando as propostas, a vida do candidato, se ele vive trocando de partido para permanecer sempre ao lado do poder, quem são as pessoas que estão lhe apoiando, quais foram os projetos que ele já apresentou.

Reflito também sobre o tempo no qual ele já está na vida pública, pois entendo que a alternância no poder é salutar para a construção da democracia, ou seja, é preciso dar oportunidade para outras pessoas, outras ideias, um novo começo. Há tantas questões a serem analisadas, se quisermos dedicar algum tempo para elas. 

Façamos uma campanha CONTRA o voto nulo e em branco. Precisamos trazer a política para dentro da nossa vida, e não apenas em época de eleição. Tenhamos a consciência de que votamos não apenas no candidato A, B ou C, mas sim no representante que levará as bandeiras nas quais acreditamos seja para a Câmara Estadual, Federal, ou para ser o dirigente do nosso Estado e do nosso País.

Essas escolhas irão alterar a nossa esfera privada, tenhamos consciência disso! O que significa conceder seu voto para determinado partido, ou candidato? Sabemos exatamente o que ele deseja para as áreas de educação, desenvolvimento econômico, reforma tributária, proteção à criança e ao adolescente, etc?

 A política tem que se aproximar dos cidadãos. Essa falácia de que 'não gosto
de política", ou "não discuto política", só interessa àqueles que cotidianamente desejam que essa forma de praticar a política permaneça.

O interesse pela política deve fazer parte do dia-a-dia da coletividade. Eu quero saber como o meu candidato se comporta diante das questões que me interessam. Não podemos permanecer pacíficos diante de um cenário público contaminado por políticos que desviam dinheiro público e se beneficiam dos cargos ocupados. A lei da ficha-limpa deve ser posta em prática, posto ser ferramenta importantíssima para uma nova era na política. Para isso o
Judiciário, o poder que ele representa, é indispensável para a sua sustentação, não devendo assistir a políticos reincidentes em escândalos usarem manobras para fugirem da sua aplicação.

O projeto da ficha-limpa, nascido através da iniciativa popular, já é parte dessa transformação. Porém, precisamos avançar mais, queremos uma democracia não só representativa, mas também participativa.

Mais uma eleição se aproxima. PENSE em que tipo de representante VOCÊ deseja para os próximos 04 anos. NÃO ANULE o seu voto, afinal alguém terá que vencer!


                 Emanuella Xavier – sócia do escritório Aluísio Xavier Advogados e Consultores.

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Violência, Drogas e Livre Mercado


Introdução

“O erro não é acreditar que as drogas estão devastando nossa sociedade e a vida de muitos jovens. Nisto todos concordamos. O erro está na maneira de reverter esta tendência. O erro não está nos fins, e sim nos meios.” (Milton Friedman)

Gostaria de discutir a questão da proibição ao uso e comércio de drogas e sua ligação com a violência urbana; por que todas as formas de combate não tiveram sucesso e por que, filosoficamente, a proibição é algo errado. Existem três linhas básicas de argumentos contrários à proibição ao uso e comércio de drogas:

Eficiência: A relação custo versus benefício é muito alta. Ou seja, o custo para implantar e manter a proibição é muito mais alto que o benefício pretendido. Esta análise é típica de economistas e engenheiros e é frequentemente menosprezada por pessoas mais preocupadas com utopias do que com aspectos práticos.

Ética: O governo não tem o direito de impor restrições à maneira como adultos utilizam seu próprio corpo, salvaguardado o direito de terceiros. Por exemplo: embora o fumo prejudique a saúde, ele é permitido com restrições, tais como proibição ao fumo em ambiente fechado.

Médico: A Maconha (por exemplo) faz tanto (ou menos) mal do que o álcool.

Pretendo na primeira parte, Proibição Aumenta Violência, desmascarar o argumento falacioso frequentemente repetido pela imprensa, de tal forma que se tornou um lugar comum, que coloca as drogas como causa do aumento da violência. Discuto a seguir, em Aspectos Econômicos, a ineficiência da proibição: por que ela não funciona e como ela transforma as drogas num problema. Explico as consequências do lucro gerado devido à proibição e por que, existindo demanda, o Governo não consegue suprimir a venda.

Na parte Aspectos Filosóficos discuto a questão ética: por que estas leis estão erradas. Coloco o assunto em perspectiva, discutindo leis com caráter semelhante. Na parte de Aspectos Psicológicos discuto por que as drogas atraem as pessoas. A relação entre prazer e repressão. Finalmente discuto Aspectos Políticos, Medicinais, uma seção de Perguntas e Respostas e  concluo com a Visão da Utopia (como seria após o fim da proibição).

Devo dizer que este artigo foi inspirado pelo livro “On Liberty and Drugs” de Milton Friedman & Thomas Szasz. Retirei vários argumentos deste livro. Como este não é um trabalho acadêmico não me preocupei em fazer referências explícitas ao longo do texto. Mesmo nos argumentos econômicos, que seguem bem de perto este livro, acrescentei fatos pertinentes ao caso brasileiro (já que o livro se dirige ao público norte-americano).

Proibição Aumenta Violência

“Drogas são uma tragédia para o viciado. Mas criminalizar seu uso torna esta tragédia num desastre para a sociedade.” (Milton Friedman)

O crescimento da violência urbana em grandes centros urbanos é extremamente preocupante. Poucos discordam que fatores importantes para o crescimento da violência são a concentração de renda e a miséria. No entanto, confrontados com exemplos como:

1. Índia: A miséria é grande, grande concentração de renda, mas a violência é baixa.
2. EUA: Apesar da riqueza e da distribuição de renda muito mais equitativa, o nível de violência é alto.
3. Europa Ocidental: Fatores econômicos semelhantes aos EUA mas com níveis de violência bem mais baixos.
4. Brasil: Riqueza média, grande concentração de renda, violência alta;

observa-se, facilmente, que o problema é mais complexo e escapa de esquemas reducionistas. É lugar comum considerar as drogas como um dos fatores que causam a violência, senão o mais importante. Numa análise superficial, isto parece inegável. De fato regularmente encontramos violência, corrupção, assassinatos e roubos ao redor das drogas. O que não se observa é que as drogas se tornam um problema, justamente, porque são proibidas. A proibição força as drogas para o mundo da ilegalidade onde tudo se mistura: venda de drogas, jogo do bicho, sequestro, prostituição, cassinos, assaltos a bancos, etc.

O fato das atividades violentas (assaltos, sequestros) e não violentas (cassinos, prostituição, jogo-do-bicho, comércio de drogas) serem desenvolvidos pelo mesmo grupo de pessoas é consequência pura e simples da proibição. Para ilustrar este ponto considere os cassinos nos EUA, a prostituição em Amsterdam, a loteria esportiva no Brasil, a venda de Valium e Prozac nas farmácias. Não existe nada de violento nestas atividades. No entanto, atividades afins no Brasil como venda de drogas e jogo-do-bicho, cuja diferença fundamental é o fato de estarem proibidas, estão ligadas a diversos crimes.

O mesmo fenômeno ocorreu na época da lei seca nos EUA. Al Capone não se limitava a vender bebidas alcoólicas; ele estava ligado a assassinatos cruéis, assaltos a bancos, falsificação de dinheiro, etc. Para a imprensa da época, Al Capone era uma prova viva do por que o álcool deveria continuar sendo proibido: “vejam como ele é cruel”, etc. Para muitos a crueldade dos traficantes justifica ainda mais a proibição às drogas. Ou seja, os espantalhos de “João Gordo” 's, “Escadinha” 's, “Cy-do-Acary” 's ou  “Zé-do-Borel” 's justificam e reforçam a proibição.

Outro argumento utilizado para justificar a proibição diz respeito ao fato de pessoas roubarem para sustentar o vício em drogas ilícitas. Contra este argumento, primeiro diria que os assaltantes roubam para comprar coisas. Nesta lógica tudo que se compra com dinheiro de assalto, incluindo carros luxuosos, roupas, bebidas e joias deveriam ter sua venda proibida. Por outro lado, sem a proibição, o preço das drogas cairia muito e diminuiria a necessidade de se roubar para comprar drogas.

Bastaria fazer como muitos alcoólatras: mendigar dinheiro para sustentar o vício. Você já viu alguém roubando para beber cerveja ou cachaça? Um segundo argumento, desenvolvido no próximo tópico, mostra que na realidade a proibição agrava o problema da violência de várias maneiras. Em resumo: o que causa um aumento da violência não são as drogas em si, e sim a sua proibição.

Livre Mercado e as Drogas: Aspectos Econômicos

“O problema é a demanda por drogas, mas não somente a demanda, e sim a demanda operada por canais reprimidos e ilegais. A ilegalidade cria lucros obscenos que financiam táticas assassinas dos chefões da droga; ilegalidade gera corrupção policial; ilegalidade monopoliza a força policial, desviando recursos para combater crimes como assaltos, sequestros, etc.” (Milton Friedman)

Devido à proibição, o preço das drogas é muito mais alto do que seria num regime de livre mercado. O preço inclui os riscos de se exercer uma atividade ilegal e o custo da corrupção. Também não é possível uma economia de escala: a fabricação e comércio tem que ser feita em pequenas unidades para não ser detectada facilmente. É, mais ainda, um preço de regime de monopólio pela força, decorrendo deste fato uma taxa de lucro excessiva e guerra entre quadrilhas pelo controle dos pontos de venda de drogas. Caso o mercado de drogas fosse liberado os custos de produção diminuiriam e com a livre concorrência o preço da mesma cairia de forma vertiginosa.

Como consequências dos altos lucros da atividade temos:

A perspectiva de ganhar muito dinheiro em pouco tempo torna jovens carentes, apesar do grande risco à própria vida, em traficantes de drogas. Acostumados ao lucro fácil do tráfico, desde cedo estes jovens (alguns começam como crianças) perdem a ética do trabalho e o interesse pela escola. São condenados ao círculo da marginalidade pelo resto de suas (curtas) vidas. Terminarão em breve mortos ou presos. Este efeito não intencionado por quem proibiu as drogas, a exclusão social e criação de marginais, é um dos aspectos mais perversos da proibição.

A corrupção da polícia e outras autoridades competentes, que numa primeira fase diz respeito somente às drogas (ou à “vista grossa” ao jogo-do-bicho), se expande e engloba todas atividades criminais. Mesmo na nação mais rica do planeta, os EUA, o dinheiro das drogas comprou, recentemente, um alto assessor da casa branca ligado ao departamento de justiça! Não preciso dizer o efeito em nações pobres. Este é o primeiro passo para a polícia entrar no mundo do crime. Depois vira segurança de traficantes (ou bicheiros), se envolve em sequestros, etc. O Rio de Janeiro ilustra este ponto de forma bem clara. Outro exemplo foram os fatos apurados durante a “operação mãos limpas”, na Itália. A polícia se corrompe não porque seus membros não tenham caráter, mas devido a esta força quase irresistível no sistema.

O poder financeiro gera, em médio prazo, poder político. Este fenômeno pode ser observado na Colômbia e na Sicília e começa a ameaçar o Rio de Janeiro.

Quadrilhas muito bem armadas: AR15's, Fuzis, AK14's, granadas.

Traficantes com acesso a excelentes advogados. Aqueles nos postos mais altos da hierarquia do tráfico dificilmente vão para cadeia por causa disto.

Cooptação de pessoas ousadas, inteligentes, empreendedoras (por exemplo, na favela, aqueles mais ambiciosos) e membros da elite intelectual (advogados, juízes, políticos, médicos, químicos, etc.) para o crime. Como consequência, crimes que exigem logística e planejamento mais sofisticados (assaltos à bancos e sequestros) se tornam mais comuns.

Não existem mecanismos legais para regular a atividade: Não é possível assinar contratos de compra e venda, abrir lojas, comprar a crédito. As disputas por mercado (“ponto”), cobrança de dívidas (“banho”), problemas com a qualidade da mercadoria (“malhada”) são resolvidas à bala! Esta é a principal causa de assassinatos em qualquer grande cidade do Brasil e do mundo. O poder dos traficantes somente poderá ser combatido atacando-se as causas econômicas. Toda a repressão do mundo é pura perda de tempo, dinheiro e recursos.

“Supor que o comportamento de organismos sociais pode ser moldado a bel-prazer é um erro amplamente aceito. Esta é uma falha fundamental dos reformadores sociais. Para eles o problema está no homem e não no sistema: concluem que para resolvê-lo basta retirar a escória e colocar pessoas bem intencionadas no lugar” (Milton Friedman)

Com a proibição, as forças do livre mercado ficam impedidas de agir, a “mão invisível” fica amarrada. Conforme podia ser visto na antiga URSS, todo o poder de coerção do Governo não conseguiu sufocar o mercado. Através do mercado negro, mesmo sob o risco de punições severas, o consumidor obtinha o que queria.

Outro exemplo é a liberação do uso do dólar após anos de repressão e punições severas em Cuba. Para colocar este assunto em perspectiva gostaria de comentar outros fenômenos decorrentes do excesso de regulamentações por parte do Governo:

Corrupção. Nem mesmo com medidas draconianas tomadas na China (fuzilamento) consegue-se acabar (ou diminuir significativamente) o problema. Isto ocorre porque a causa, o controle estatal de toda atividade econômica, cria as oportunidades de corrupção (“criam-se dificuldades para vender facilidades”).

Comércio Ambulante (ou camelôs). A complexidade do sistema tributário e a rigidez das leis trabalhistas tornam a montagem e manutenção de um negócio extremamente cara e complicada, o chamado “custo Brasil”. Isto é um incentivo a proliferação de comércio ambulante.

Contrabando. Decorre, em grande parte, devido aos altos impostos de importação e a complicada burocracia para liberação de carga.

“Jeitinho” (a famosa Lei de Gérson). Muitos pensam que este fenômeno é tipicamente brasileiro. Na realidade ele existe em diversas nações do terceiro mundo de todos os continentes. Sua causa é a mesma do caso brasileiro: excesso de regulamentações, normas, órgãos de controle governamentais etc.

Por fim, argumentos semelhantes podem ser utilizados com relação a prostituição, jogo-do-bicho e cassinos. De fato, antes do jogo ser legalizado nos EUA, os mesmos fenômenos podiam ser observados em Las Vegas: formação de uma máfia que controlava o jogo, comprava políticos, assassinatos de acerto de contas, etc. No estado de Luisiânia a máfia do jogo da época elegeu até o governador de estado.

Governo Protegendo seus Cidadãos: Aspectos Filosóficos

Um dos principais argumentos pró-proibição é de que as drogas fazem mal à saúde e, portanto, devem ser proibidas. Por trás deste argumento está a premissa implícita: o Governo tem autoridade para impor hábitos saudáveis.

Outros exemplos de leis que almejam este objetivo não declarado da proibição, proteger a pessoa de si mesmo, são:

Uso obrigatório de cinto de segurança em automóveis e capacete em motocicletas.

Exigência de receita médica para compra de medicamentos. A exigência de receita médica foi feita, teoricamente, para proteger a saúde da população. Na realidade, serve muito mais para assegurar o monopólio dos médicos, os maiores interessados na defesa desta lei. Na prática ela “não pegou” no Brasil. O fim do monopólio dos médicos poderia revolucionar a medicina, especialmente para a população mais pobre, que hoje tem (em tese, na prática o farmacêutico cumpre, ilegalmente, parte desta tarefa) que escolher entre um profissional de medicina com 8 (ou mais) anos de formação ou nada. Remeto o leitor interessado em detalhes ao livro do Prof. Milton Friedman “Free to Choose”.

Temos algumas atividades potencialmente danosas à saúde, mas que não são proibidas por lei: Pular de paraquedas, correr em formula-1, esquiar, andar de motocicleta, etc. Temos atividades que sem dúvida são danosas, mas são perfeitamente legais: luta de boxe, uso de esteroides anabolizantes, excesso de gordura, fumar cigarros, alcoolismo, etc.

Dentro da lógica de que as drogas devem ser proibidas, porque causam danos à saúde, se compararmos as estatísticas de doenças causadas pela obesidade, álcool e tabaco com as causadas por drogas veremos que estamos atacando um fator de importância marginal. Não se inclui aqui as mortes resultantes da guerra entre quadrilhas, que são contabilizadas na proibição às drogas e não nos danos causados à saúde pelas drogas. A mistura destes dois fatores num só, a “morte causada pelas drogas”, é utilizada pelos defensores da proibição para confundir e causar alarme.

Por coerência, aceitando-se o princípio que cabe ao Governo zelar pela saúde de seus cidadãos, porque não se criar leis proibindo o excesso de sal e açúcar no sangue, obrigando exercícios físicos diários (para combater o sedentarismo), proibindo o álcool, proibindo o tabaco? Note-se que no caso do álcool e tabaco já existem leis, mas elas são para proteger terceiros (dirigir embriagado e restrições ao fumo em locais públicos) e, portanto, não se encontram neste contexto.

Para os que argumentam que a diferença é de grau no dano à saúde  - “a cocaína causa danos à saúde muito maiores que o álcool: logo o tratamento deve ser diferente” - levemos ao grau máximo de dano à saúde, à morte: Você acha que a tentativa de suicídio deve ser punida? Estas são as questões básicas que convido o leitor a refletir: O governo pode e/ou deve agir como um “pai” da sociedade e decidir o que é bom para cada indivíduo, determinar como cada cidadão vai viver sua vida ? De onde emana este poder? Como conciliar isto com a liberdade do indivíduo? Existe uma minoria “iluminada” que vai guiar o destino de todos? Como eles são escolhidos? A quem eles respondem?

Para deixar clara minha posição, o uso de drogas deve ser proibido quando envolver riscos imediatos para terceiros, no mesmo espírito das leis que regulam o uso de álcool: proibido dirigir alcoolizado, etc. Neste caso o governo está intervindo para proteger terceiros. O que me oponho é a proteção da pessoa de si mesma. Em resumo: cada cidadão deve ter a liberdade de fazer o que deseja a si mesmo, contanto que os direitos de terceiros não sejam prejudicados.

Por que Atividades Arriscadas? Aspectos Psicológicos

O que leva uma pessoa a utilizar drogas que sem dúvida são danosas à saúde (heroína, cocaína)? Creio que a mesma pergunta pode ser feita para um alpinista, pulador de paraquedas, etc. Podemos verificar uma relação masoquista de busca do prazer (fortes emoções) através do medo (perigo), principalmente entre os jovens. O oposto disto seria uma segurança entediante. Outro aspecto é a relação prazer versus repressão. Se voltarmos ao passado distante, temos a proibição do álcool pelo Alcorão, a maçã do Fruto Proibido (sexo) e o pecado da gula na Bíblia. A repressão ao sexo na sociedade Vitoriana. Na década de 1930, nos EUA, o álcool. Cabe a pergunta: por que as sociedades procuram reprimir o prazer?

As técnicas de combate são semelhantes. A associação que se fazia de sexo como coisa suja, feia; a masturbação como causa de demência mental, espinhas, deformações, impotência. Todos estes argumentos são requentados para se combater o uso de drogas. São o que os americanos chamam de “scare tatics”, que tentam fazer prevalecer o lado emocional contra o lado racional.

Diz-se que o uso de drogas leva à demência mental, torna a pessoa imprestável (um zumbi), causa marcas na pele, no rosto. Mostram pessoas em hospícios, fruto do uso de drogas a vida inteira. Mostram os que se prostituem para sustentar o vício. O efeito da repressão é exatamente o oposto, porque o Fruto Proibido é ainda mais atrativo, especialmente para os jovens, com mais energia para a transgressão. Por outro lado, os argumentos são tão exagerados que se desmoralizam. Qualquer pessoa que tenha um mínimo de contato com o assunto sabe que, embora prejudicial à saúde, seus efeitos não são dramáticos e é perfeitamente possível ser usuário de drogas e membro produtivo da sociedade ao mesmo tempo.

Qual o meio efetivo de controle de drogas? Creio que a resposta é, além da vontade de preservar a saúde, a pressão social. Por que as pessoas não passam o dia inteiro dormindo, na praia ou numa atividade de lazer? Por que tem que trabalhar (ou estudar). Por que as pessoas não passam o dia embriagado? Pelo mesmo motivo. Quais são as forças que não permitem os excessos de preguiça, comida, álcool, gastos, etc. A própria consciência, a religião, a família, o patrão, os amigos, o banco, agora inclusive a companhia de seguro etc. Enfim, a pressão social (e financeira). Devido ao fato de alguns abusarem de algumas substâncias (por exemplo: alcoólatras, obesos, fumantes, viciados em drogas) devemos proibir o uso para todos?

Outros Efeitos Nocivos

Traficantes estimulam o consumo dando primeira dose grátis. Isto vale a pena, porque sendo o dono do “ponto” ( o mercado não é livre ) tem a garantia de que o “freguês” comprará outras doses “na mão” dele.

Viciados são obrigados a se associar com criminosos para obter a droga, aumentando a chance deles entrarem no mundo do crime para financiar o vício.

Assassinatos pela disputa dos pontos de venda.

Falta de tratamento adequado aos viciados: É difícil o acesso a um programa de reabilitação e conseguir apoio de familiares e amigos devido à ilegalidade.
  
Overdoses. A ilegalidade impossibilita qualquer controle da qualidade da droga. Mistura-se de tudo na cocaína e na maconha. A cada compra a concentração é diferente.

Tratamento inadequado das vítimas de overdose. O medo de ser descoberto e denunciado à polícia faz com que se evite ir para um hospital em caso de emergência.

Viciados são levados ao uso de drogas mais potentes. Como a maconha é pesada e ocupa muito espaço é mais fácil apreendê-la. Seu preço aumenta e tornam mais competitivas drogas mais potentes e menos volumosas, como a heroína e a cocaína. Pelo mesmo motivo, estimula-se a criação de drogas mais potentes como o crack e drogas sintéticas, com grande preço por volume, de tráfico mais lucrativo. Os altos lucros estimulam a criatividade dos químicos!

Aspectos Políticos

“Reformadores acreditam que se eles escreverem uma lei, ela vai ser aplicada da maneira que foi escrita. Isto é uma ilusão. O que acontece com uma lei tem pouca relação, em geral, com as intenções de quem escreveu. Quem escreve a lei que proíbe as drogas não pretendia matar milhares de pessoas todos os anos vítimas das guerras entre quadrilhas.” (Milton Friedman)

A América Latina está sendo levada a repetir a paranoia americana com relação às drogas. Mesmo com o fim da lei seca ainda persistem restrições absurdas à bebida alcoólica, como venda proibida aos domingos e idade mínima de 21 anos em quase todos estados. A pena imposta a quem está traficando drogas é exagerada, mais grave, algumas vezes, do que assassinato.

Os americanos gastam uma fortuna com o sistema penitenciário. Atualmente é o país com a maior percentagem de população encarcerada do mundo (quase 1 %), grande parte devido ao uso e tráfico de drogas. A única receita dos defensores da proibição para combater o aumento dos crimes, percebendo a ligação estreita de traficantes de drogas com os mesmos (exemplo recente são os sequestros no Rio de Janeiro), é o aumento da repressão. Isto foi tentado na década de 80 nos EUA.

O resultado foi um aumento da violência e da população carcerária. No caso brasileiro nem precisa ser implementada, porque já acontece extraoficialmente. Um traficante no Rio de Janeiro, por exemplo, dificilmente passa dos 25 anos de vida devido à guerra entre as quadrilhas. Alguém consegue imaginar maior repressão do que esta? Mas isto, no entanto, não é suficiente. Deixo a seguinte pergunta para os defensores da proibição: Porque ainda assim as pessoas tomam este caminho?

O pêndulo da proibição está voltando. Depois do liberalismo dos 70's e da repressão dos 80's uma nova maré liberalizante se esboça. Podemos encontrar opiniões de peso por trás desta proposta. Uma é o supracitado, prêmio Nobel em Economia, Prof. Milton Friedman. O Ex-Ministro da Justiça Nelson Jobim (agora ministro do STF) andou se pronunciando a favor da descriminalização. O jornal Folha de São Paulo em editorial de 1994 mostrou que apoia estas ideias. A corte suprema da Colômbia, recentemente, liberou o uso de drogas. Temos as experiências de sucesso em diversos países europeus: Alemanha, Suíça, Espanha, França, Inglaterra, Holanda, etc. São experiências que mostram que esta ideia é uma alternativa concreta.

Outro exemplo histórico são os EUA do início do século, quando a Sears Roebuck vendia heroína através de seu famoso catálogo. Caberia determinar estratégias do que seria possível num primeiro momento. Como princípio geral o tratamento deve ser semelhante ao álcool e tabaco: proibição de venda para menores, restrições à propaganda, direção de veículos sob influência, etc. O tráfico internacional, é claro, teria que continuar proibido, a não ser através de acordos regionais (MERCOSUL, por exemplo).

Um possível cronograma:

1. Discutir o assunto e procurar esclarecer a opinião pública.
2. Descriminalizar o uso de drogas.
3. Autorizar o cultivo da maconha para uso próprio. Isto teria um impacto mortal
no tráfico.
4. Autorizar a venda da maconha, com restrições semelhantes ao álcool e tabaco.

Quanto a outras drogas, não sei qual seria o melhor modelo: liberação total, venda sob controle médico. Uma dificuldade comum é a confusão entre não ser proibido e ser estimulado. A legalização não significa estimular ou mesmo aprovar o uso de drogas. Temos diversas atividades nocivas à saúde que não são proibidas, mas são desestimuladas: álcool, fumo, glutonice (gulodice, gula), inatividade, etc.

Drogas Realmente Fazem Mal a Saúde? Aspectos Medicinais

Não havia levantado, propositalmente, argumentos tradicionais que questionam o “mal” que as drogas fazem ao organismo. Com relação à maconha, em especial, este argumento é bastante forte. Hoje em dia existem usos terapêuticos comprovados da mesma no tratamento de aidéticos e para controlar efeitos colaterais da quimioterapia.

Inclusive em 1996 foi aprovada em plebiscito em dois estados dos EUA (Califórnia e Arizona) uma lei legalizando o uso medicinal da Maconha. Creio, no entanto, que este não é um bom caminho, porque esta não é a questão fundamental. Uma abordagem deste tipo, creio ser muito conservadora. Além do mais, persistiria o problema do tráfico das outras drogas que sem dúvida fazem mal a saúde (cocaína, heroína, etc.).

Perguntas e Respostas (Questionamentos diretos e indiretos)

1. P: Os drogados podem provocar problemas no trânsito, no trabalho. “Podemos virar uma sociedade de zumbis!”

R: Basta dar o mesmo tratamento dado ao álcool. É proibido dirigir ou trabalhar embriagado. Poderíamos, do mesmo modo, virar uma sociedade de alcoólatras. Porque isto não ocorre? Deixo o leitor responder. Pelo mesmo motivo não viraríamos uma sociedade de zumbis. O uso do álcool, em si, não é penalizado e sim os seus possíveis efeitos danosos a terceiros.

2. P: Com a liberação das drogas aumentará o número de drogados devido ao preço mais baixo e o fim da repressão. Não ficaremos numa situação pior do que estamos?

R: De fato um aumento no número de usuários é um efeito possível. A questão é: ninguém em sã consciência causa dano a si próprio. É perfeitamente possível um usuário de drogas ser um membro produtivo da sociedade. Estes limites cada pessoa estabelecerá para si mesmo. É o mesmo problema do álcool: uso social não tem problema, mas aparecer alcoolizado no trabalho todo dia . . .

3. P: Os viciados assaltam e roubam para sustentar seu vício. A legalização aumentará o número de usuários e consequentemente de roubos e assaltos.

R: É comum em reportagens se dizer que os crimes são causados pelas drogas ilegais. Na realidade os crimes são causados por pessoas. Negar isto é retirar a responsabilidade das pessoas pelos seus atos. Por outro lado já expliquei que o efeito da legalização seria exatamente o oposto.

4. P: Quer dizer que teríamos propaganda de maconha e cocaína na TV, rádio etc.? E as crianças?

R: O tratamento a ser dado deve ser semelhante ao dado ao tabaco e ao álcool: venda proibida para menores de idade e restrições (proibição) à propaganda. Estas medidas podem ser implementadas, enquanto que a proibição total não pode.

5. P: E a substituição da lavoura de alimentos por plantação de drogas (por ser uma atividade mais lucrativa)?

R: Com o fim da proibição e consequente queda de preço teríamos um incentivo econômico para a diminuição do cultivo. Mesmo que continue lucrativo, isto também não é problema: o dinheiro extra gerado por esta colheita será utilizado para comprar alimentos, que podem ser importados. Caso os alimentos se tornem muito caros, isto se constitui num incentivo a produção do mesmo. Ou seja, os mecanismos de livre mercado de alocação ótima dos recursos podem resolver esta questão sem necessidade de intervenção governamental.
  
6. P: As pessoas morrem devido ao uso de drogas. Isto não é suficiente para proibir seu uso?

R: Já respondi este ponto fazendo analogia com álcool, tabaco, obesidade, suicídio.

7. P: Quem utiliza drogas causa danos somente ao próprio corpo. No entanto se necessitar de ajuda médica para tratar de problemas decorrentes deste uso recorrerá a um hospital público (possivelmente) e todos nós, contribuintes, acabaremos pagando por este abuso. Logo, o interesse de terceiros (toda a sociedade) está sendo prejudicado e, portanto, de acordo com sua lógica, devemos manter a proibição.

R: Esta pergunta é a mais difícil de ser respondida e possivelmente o melhor argumento pró-proibição. Temos três aspectos a serem enfocados:

(a) Como o problema levantado é de natureza econômica devemos fazer uma análise de custo versus benefício das duas hipóteses. Elas não são a escolha entre um mundo com drogas e outro sem drogas. A escolha é entre proibir, e gerar todos os custos e problemas aqui descritos: mercado negro, manutenção das prisões, corrupção da polícia, sequestros, etc. Ou liberar, não ter nenhum destes problemas, mas arcar com os custos hospitalares dos usuários de drogas. O que o leitor acha que deve ser mais barato para sociedade?

(b) Este problema só ocorre porque o sistema de saúde é público. Se cada pessoa pagasse pela sua própria despesa médica o que ela faz com seu corpo não diria respeito ao governo. Aqui fica claro uma razão profunda da impossibilidade de liberdade sob o socialismo. Neste sistema tudo que diz respeito ao indivíduo é assunto de Estado: sua educação, sua saúde, seus hábitos, o número de filhos. Tudo em sua vida ele deve ao Estado.

(c) Porque reclamar somente do custo dos drogados? Nesta lógica o governo deveria antes de tratar, por exemplo, de um paciente HIV-positivo, investigar sua vida para descobrir se ele contraiu o vírus por irresponsabilidade (tinha diversos parceiros, sexo sem preservativos) ou foi por infortúnio (transfusão). Vamos reclamar também dos alcoólatras, obesos, pessoas que brigam em bares, fumantes, etc. Levando esta lógica ao extremo, para cada paciente que chegue ao hospital devemos investigar o porquê de sua enfermidade: se resultante de negligência, o atendimento deve ser negado ou cobrado do mesmo. Este raciocínio mostra o absurdo desta lógica.

8. P: Está comprovado que a maconha é a porta de entrada para drogas mais pesadas. Se a liberarmos aumentará o consumo de cocaína, heroína, etc.

R: Vamos aceitar a premissa duvidosa “maconha é porta de entrada”. A cachaça consumida por um pai-de-família é (frequentemente) a “porta-de-entrada” para agressões a esposa. Devemos proibir a cachaça? Ou proibir agressões a esposa?
  
9. P: Quer dizer que como não se pode ganhar a guerra contra as drogas deve-se legalizá-la? Então como não conseguimos acabar com os sequestros devemos legalizá-los?

R: É claro que não! Existe uma diferença fundamental. O uso de drogas não é (ou não deveria ser) crime. As pessoas tem o direito de se intoxicar, alterar seu estado mental. O crime são os danos a terceiros causados pela alteração de estado mental. Concordamos que os efeitos sociais terríveis relacionados às drogas (assaltos, assassinatos, etc.) tem que ser combatidos. A solução proposta de proibir o consumo é simplista e vai ao alvo errado. É como a história do marido traído que retira o sofá. Se toda lei passada fosse cumprida como foi escrita, o mundo não teria problemas. A proibição funcionaria neste mundo ideal: sem consumo não haveria venda ou uso. Infelizmente a realidade é bem diferente . . .

Visão da Utopia

O que ocorreria depois do fim da proibição às drogas:

Fim das “bocas de fumo”. Souza Cruz vendendo maços de Canabis Sativa com qualidades distintas (mais forte, mais fraco, etc.), indústria farmacêutica vendendo medicamentos à base de Canabis Sativa para tratamentos diversos. Cocaína à venda em farmácias ou em hospitais, sob controle médico.

Melhora no balanço fiscal do Governo com:

(a) Aumento de receita devido aos impostos cobrados em cima da venda e produção de drogas.
(b) Redução de despesas com o fim dos gastos na “guerra às drogas”: custos judiciais, polícia, custo de tratamento nos hospitais públicos das vítimas de tiroteios entre traficantes e policiais, pagamento de informantes (X9's, “cachorrinhos- de-polícia”), manutenção das prisões etc.

Liberação da polícia para combater atividades criminosas: roubos, assaltos, assassinatos, sequestros, etc. Moralização da mesma, longe do poder de corrupção provocado pela alta lucratividade do tráfico.

Fim do poder dos traficantes dentro das favelas. Sem o dinheiro abundante do tráfico fica difícil comprar a simpatia da população e/ou subjugá-la com armamentos poderosos. Melhores condições para o poder público atuar nos morros e favelas.

Fim da “carreira” de traficante: “olheiro”, “soldado”, “avião”, etc. Jovens oriundos de comunidades carentes não seriam tentados (ou muitas vezes, quase “obrigados”) a entrar no mundo da ilegalidade.

Melhoria do judiciário com a diminuição do número de processos e o fim do poder de corrupção do tráfico.

Diminuição no número de mortes por overdose de drogas, devido ao controle da qualidade da mesma e o fim do medo de ir para um hospital sofrendo de sintomas de overdose.

Fim das mortes por disputas de pontos e guerra entre quadrilhas, principal causa do número de assassinatos por dia nos grandes centros urbanos de todo o mundo.

Redução na frequência de crimes sofisticados (assaltos a bancos e sequestros).


                                                                                          Rio de Janeiro, Agosto de 1994

OBS: o texto original, escrito pelo professor Marco Aurélio Cabral (IM-UFRJ), pode ser conferido e baixado no site http://www.labma.ufrj.br/~mcabral/livros/